Faz anos que recolho - e por isso já tenho uma pequena coleção de - inícios de textos de não-ficção (reportagens, ensaios, crônicas) que me parecem primorosos. Um deles é o arranque de um perfil da atriz espanhola Elena Anaya escrito por Guillermo Abril e publicado no El País. Começa assim: “Olhar fixamente a atriz Elena Anaya produz uma leve sensação de tontura, como se estivéssemos diante de um holograma ou de uma fotografia desfocada”.
Sem sombra de dúvidas, Elena Anaya é dos seres humanos mais lindos que já habitaram este planeta e é plenamente compreensível que Guillermo Abril tenha ficado hipnotizado ao ver-se frente a frente com ela. O que talvez o atordoado repórter não soubesse é que essa sensação de vertigem diante de algo sumamente belo não é assim tão rara. Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal, conta num livro ter sofrido um mal-estar ao adentrar a Basílica de Santa Croce, em Florença. "Fui acometido de uma forte palpitação do coração, minha força vital se esvaiu e andei com medo constante de cair no chão", escreveu o francês.
Há vários relatos de pessoas que tiveram náusea, taquicardia, falta de ar e até desmaiaram ao serem expostas a obras de arte. A esse fenômeno deu-se o nome de Síndrome de Stendhal. Em dezembro de 2018, um homem de 70 anos teve uma parada cardíaca na Galeria Degli Uffizi, em Florença, no momento em que contemplava O nascimento de Vênus, de Botticelli.
A geografia de Florença, a quantidade de belos edifícios e de grandes obras de arte em pouco espaço seriam as explicações para que a Capital do Renascimento seja o local mais propício para que a tal síndrome apareça. Mas em qualquer lugar e sob qualquer estímulo (uma música, uma paisagem, um poema, uma atriz espanhola), o corpo de uma pessoa com a sensibilidade mais aflorada pode reagir de forma inesperada à beleza. Foi o que aconteceu em março do ano passado durante um concerto da Filarmônica de Los Angeles no Walt Disney Concert Hall. O segundo movimento da Sinfonia n.5 de Tchaikovisky foi interrompida por um grito feminino. Uma testemunha relatou ao Los Angeles Times ter ouvido gemidos e em seguida um som igual ao de “um orgasmo de corpo inteiro”.
No vídeo-cassete
Já tinha escrito o texto acima quando vi o documentário Close to Vermeer (David Bickerstaff, 2013), que aborda a obra do misterioso pintor Johannes Vermeer. Nascido nos Países Baixos no século XVII e falecido aos 43 anos, Vermeer pintou poucos quadros (ou pelo menos poucas obras suas sobreviveram) e a sua incrível técnica ainda é uma incógnita. O filme acompanha o trabalho do museu Rijksmuseum, de Amsterdam, para organizar a maior mostra do artista já realizada. Numa das cenas, o pintor Jonathan Janson, um estudioso da obra do holandês, começa a contar que finalmente, aos 71 anos, pôde contemplar ao vivo último quadro de Vermeer que lhe faltava e não consegue conter a emoção, chora.
No rádio de pilha
Estou acompanhando o grande trabalho que o repórter Rubens Valente e a equipe da Agência Pública sobre o Vale do Javari, terra indígena localizada na Amazônia onde o indigenista Bruno Pereira e o repórter Dom Philips foram assassinados em 2022. Trata-se de uma série de reportagens em formato podcast que faz um raio-x dessa região habitada por várias comunidades indígenas e ameaçadas pelo garimpo, pelas igrejas evangélicas e por outros predadores.
Na mesa de cabeceira
O repórter Fábio Victor contou na Folha de S.Paulo esta semana sobre o dia a dia de José Hamilton Ribeiro, ícone do jornalismo brasileiro que hoje vive numa fazenda em Minas Gerais bastante isolado do burburinho. Em dado momento, Fábio Victor comenta que entre os livros que o entrevista tem numa pilha ao lado da rede está o clássico Crítica da Razão Pura, de Kant. “Mas não estou lendo mesmo não, sou estou dando uma beliscada”, esclarece o veterano jornalista. Adorei essa expressão e vou passar a usá-la. Esta semana estou beliscando a antologia Os sábias da crônica, livro organizado e prefaciado por Augusto Massi (ed. Autêntica) que reúne textos de seis grandes cronistas brasileiros: Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e José Carlos de Oliveira. Uma seleção maravilhosa, daqueles livros que valem a pena ter à mão para, naqueles momentos em que a vida chata se distrai, serem aberto ao acaso.
Frase da semana
“Não vejo prejuízo nem conflito de interesses”
Gilmar Mendes, Ministro STF, a propósito do evento em Lisboa, organizado pelo seu instituto, que reúne ministros, empresários, advogados e políticos brasileiros
Muy buen artículo, Tocayo. No sabía el nombre de ese síndrome (de Stendahl), pero he experimentado esa sensación de maravillarme en frente de la belleza una gran obra de arte o una sinfonía. Precisamente en la sala de conciertos que citas (su fenomenal acústica es hipnotizante) y con la Filarmónica de LA, pero escuchando el sublime Concierto para Violín de Tchaikovsky. Sigamos maravillándonos de la belleza de las artes que le añaden tanto sentido a la vida. Un abrazo!