“La literatura es un lugar en el que llueve”
Juan Villoro, in Conferencia sobre la lluvia
Conta Rubem Braga numa crônica que certa manhã saiu de casa para resolver alguns assuntos e de repente, enquanto passava por uma rua de Copacabana, reparou que estava inexplicavelmente feliz. Nada de especial havia acontecido, era uma “felicidade gratuita”, fruto de coisas simples: um céu azul e um “sol louro”, estar vestido com roupas limpas e sapatos confortáveis, sentir-se bem de saúde enquanto caminha. Segue o cronista:
Passa uma menina com uma fita nos cabelos; em um terreno livre há um grupo de mecânicos que aproveitam a hora do almoço para um bate-bola. A bola vem para o meu lado; devolvo-a com um chute, e meu chute é certo, e é saudado com um ‘ôba’ por um dos homens de macacão, que pega a bola com a cabeça. Estou definitivamente feliz. Meus problemas de dinheiro, minhas tristezas, minhas aflições, nada tem importância. Posso amar a quem não me liga, fazer o que me desgosta, não fazer o que queria — mas neste momento sou apenas um animal feliz; o dia está lindo e eu estou andando com prazer de andar. Sou um animal feliz. E meu chute foi bonito.
Sou uma criatura quieta, discreta, com grande tendência à contemplação e à melancolia. Alguém que prefere ouvir a voz dos outros do que a própria e que tem sincera curiosidade pelas vidas alheias. No entanto, eventualmente, estimulado pela companhia ou o vinho (ou ambos), me abro, exponho sentimentos e segredos. “Nunca fui muito ambicioso para a vida, só para os amores”, confessei há pouco tempo numa conversa privada. Disse nunca ter pensado muito em dinheiro ou sucesso profissional, jamais ter almejado ser o primeiro em nada, mas sim ser abastado em afetos e, se possível, protagonista de histórias de amor não vulgares.
O que disse era verdade, mas não totalmente, porque entre as minha ambições está também a de escrever bem. E o que entendo eu por “escrever bem”? Para mim é ser capaz de seduzir, prender quem lê, fazer com que aquela pessoa me acompanhe até o final do texto e, terminada a leitura, queira mais (quem sabe até suspire e pense: como gosto de ler as coisas que ele escreve). Em resumidas palavras, para mim escrever bem é escrever como Rubem Braga. Sobre ele, disse Paulo Mendes Campos: mestre na arte de conversar por escrito.
Escreve Octavio Paz num poema: “Ouve-me como quem escuta a chuva/ nem atenta nem distraída”. Queria ser capaz de escrever como quem conversa, à Rubem Braga, e de ser ouvido da forma como suplica o poeta mexicano, um som que relaxa e conforta.
Gosto de encontrar com amigos e amigas e estar a sós com eles, preferencialmente em casa, com tempo para conversamos demorada e despreocupadamente. Então haverá um momento em que deitarei numa rede, me acomodarei num sofá ou estarei na varanda olhando a paisagem, e direi: tenho uma coisa para te contar. E sentirei uma ligeira alegria por saber que ali ao lado tem alguém que vai me seguir, me escutar com atenção e até - deixemos a humildade de lado - gostar daquilo que, com dedicação e capricho, passarei a narrar.
* Nas últimas semanas recebi mensagens e comentários tête-à-tête de uma pequena multidão - talvez mais de meia dúzia de pessoas - dizendo que sentem falta da minha newsletter semanal. Não sabem o bem que me sinto ao ouvir isso, obrigado.
Também sou um daqueles:
...que sinto muita falta de sua newsletter semanal.
...que ao ler este útlimo texto "suspirou e pensou: como gosto de ler as coisas que ele escreve."
...que aprecio a arte de "conversar por escrito" que existe no velho Braga, em Alejandro Zambra e em ti.
Ricardo, lá no começo da sua newsletter trocamos mensagens e você disse que era bom ter uma retorno de um “desconhecido”. Eu, já naquela época, dizia que você não me era um desconhecido. Eu disse lá que tinha te conhecido com seu livro de entrevistas e tal. Agora você conseguiu dizer o que eu queria ter dito naquela hora: que somos conhecidos, somos amigos, porque converso com você quando leio seus textos. Era isso que era para eu ter dito, mas não soube falar. Mas agora você falou por mim. Mais uma vez.