Se um dia me pedirem uma lista com os defeitos que mais abomino nas pessoas, a arrogância certamente estará no pódio, talvez mesmo em primeiro lugar do ranking. Ainda assim, sendo eu um ser humano contraditório (como você e todo o resto do mundo), quando o assunto são os sonhos eu abro mão da humildade. Sei - porque falo disso com bastante gente - que tenho uma capacidade rara, invejável, por que não dizer irritante, para me lembrar das histórias e imagens que ocuparam a minha cabeça durante a madrugada. Quase todas as manhãs recordo, com detalhes, o que sonhei; e muitas vezes de mais de um sonho. E gosto de exibir esse meu talento.
Às vezes, ali no meu Instagram, conto alguns desses filmes produzidos pela minha mente quando não a controlo. Nos últimos meses, o mais marcante foi um sonho com um amigo que morreu há pouco tempo, ele passava de bicicleta por mim, sorrindo, e descia a rua até virar a esquina. Não parecia chateado.
Os sonhos que mais me intrigam são aqueles em que interajo com pessoas que supostamente não conheço. Rostos que se algum dia vi (e provavelmente foi assim) não registrei e que aparecem para mim enquanto durmo, me contam coisas, me acompanham, às vezes me seduzem ou assustam.
Entre os muitos projetos que tenho e que sei que nunca deixarão de ser só uma ideia está o de escrever um Sonhário, um diário dos meus sonhos. Fica aqui a primeira entrada que anotei nele.
26 de setembro de 2020
Estou numa casa que, sem ser exatamente igual à casa da minha infância, sei que é ela. Olho para as paredes e começo a ver infiltrações que rapidamente crescem, se expandem bem diante dos meus olhos. Fico preocupado porque percebo que a qualquer momento a casa vai ruir. Olho para o teto e vejo que ele foi parcialmente retirado. Saio para o quintal, cheio de árvores e algo escuro, e subo num muro para ver a casa de longe. Percebo que todas as construções ao redor são novas, a maioria são prédios, e no meio deles está a casa, que agora está prestes a desabar. Um homem se aproxima, parece ser o vizinho, e me faz ver que a casa está a ser demolida e que não há nada a fazer a não ser contemplar o destruição.
Acordo com o corpo suado, culpa da janela e da porta do quarto fechadas somados a um cobertor muito pesado para o início do outono. Levanto para urinar, volto para a cama ainda a pensar no sonho que acabo de ter. E logo volto a dormir.
Estou novamente num lugar desconhecido com o qual costumo sonhar. É uma aldeia construída com pedras no topo de uma elevação e onde há um penhasco que termina no mar. Com alguma frequência sonho com este lugar, que cada vez me aparece com algumas modificações. Hoje estou acompanhado, vamos em um carro, eu sei o caminho e guio as demais pessoas, até que estacionamos no centro de uma praça, ao lado de uma igreja. Entendo - não sei como - que estamos ali para assistir a uma obra de teatro, que parece que acontecerá ao ar livre. Acordo e, de uma forma inexplicável, surge para mim a palavra Caronte e sei que iria assistir a uma peça sobre ele, o barqueiro da mitologia grega que transporta as pessoas do mundo dos vivos para o mundo dos mortos.
No Dia Internacional da Mulher
Adoro o traço e o humor do Javirroyo
E agora algo que não tem graça nenhuma: nos últimos 9 anos, mais de 10 mil mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. O ano 2023 teve recorde de assassinatos, destaca a Folha de S.Paulo.
E ainda tem gente que se diz contra o Feminismo…
No porta-retrato
Morreu esta semana, aos 92 anos, o fotógrafo catalão Ramón Masats, autor desta icônica fotografia tirada em Madri, em 1959. Na Espanha de Franco, ditadura sustentada pela religião, nem a batina impedia que os jovens seminaristas se divertissem jogando futebol nos intervalos das suas obrigações.
De tantas vezes que teve que falar sobre essa foto, o autor passou a detestá-la. Mas a verdade é que sempre que havia uma exposição sua, em algum lugar da Espanha ou do mundo, o consagrado fotógrafo tinha que incluir a imagem do rapaz que voa com a sua capa na tentativa de evitar um gol.
Na vitrola
O inesgotável e “inenjoável” Caetano toca sempre por aqui. A música da semana é essa dançante Sorvete, cuja letra é uma delicia: “No que ela fez isso comigo/ Era nunca mais ser seu amigo, nem inimigo / Nunca mais namorado, apaixonado.“
Impressão minha ou ali pelo 1min50s o Caetano diz um “normal” com um erre carregado, bem do interior paulista?
PS: Leio que Caetano e Bethânia farão uma turnê juntos. Não sei se o mundo merece tanta beleza, mas que bom que isso vai acontecer.
Na mesa de cabeceira
Conheci o fotógrafo português João Pina pelo seu monumental trabalho chamado Condor, sobre o plano das ditaduras militares da América do Sul dos anos 70, amparado pelos Estados Unidos, para exterminar os seus opositores. Agora descubro este livro dele sobre o Rio de Janeiro cujo título é 46750, a cifra oficial de homicídios que aconteceram na região metropolitana do Rio entre 2007 e 2016 (recorte temporal das imagens do livro).
A cidade da moda do país da moda, sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, é também o lugar onde uma Polícia mal paga e mal treinada (e muitas vezes corrupta) mata e morre para fazer a “segurança” de uma elite que desde sempre deu as cartas. Nesta entrevista Pina conta como conseguiu fazer essas fotos tão incríveis que mostram uma cidade em guerras (entre policias, traficantes e milícias) e também em festa, onde a alegria dos corpos, da música, da vida, todo o tempo se cruza com a morte.
Moradores da Mangueira assistem à festa de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016
Frase da semana (ainda que dita há muitas semanas)
Se os homens ficassem grávidos, desde a Pré-História seria legal abortar
Eduardo Galeano, março de 2010
Caetano canta norrrmal mesmo! No Uns, disco anterior, ele canta A outra banda da terra só com esse sotaque ~caipira -- ele falou sobre isso na turnê Meu coco, antes de cantar! <3
Você anota os sonhos assim que acorda ou rememora e depois anota ?